domingo, 29 de junho de 2008

"Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio"

A poesia tem aquele dom: fala das coisas sem as explicar...
Gosta-se pelo eco...


De Alberto Caeiro

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Auto-suficiências...e em África como é?

Mais um artigo de Tomás de Montemor, a propósito de África:


" A África de há 20 anos era uma exportadora de produtos alimentares e agrícolas. A globalização e os consequentes baixos preços dos alimentos nas ultimas décadas alteraram a situação -com uma agricultura pouco eficiente e um sistema de distribuição incipiente, é mais barato importar. Isto levou à migração das populações rurais para as cidades ( ou para campos de refugiados), a reformas agrícolas mal conduzidas e à transformação da agricultura numa actividade se subsistência sem efeito na economia dos países. As alterações climáticas, as guerras e a corrupção não ajudam. Tudo isso fez que a situação se invertesse - África, de exportador líquido, passou a importar mais de 25 mil milhões de dólares em alimentos por ano, para além de depender cada vez mais de ajuda."
"A melhor saída para esta crise seria apostar no desenvolvimento sustentável da agricultura que tem potencial de crescimento em mtos países africanos. Para isso é preciso que muitos dos que lá mandam sejam removidos porque a história mostra que boicotam qq iniciativa em que não são os principais beneficiários. O que Bob Gelgof disse em Lisboa chocou mais pela frontalidade do que pela novidade."
"O coordenador da FAO ( Food and Agriculture Organization), organismo da ONU, disse recentemente que África poderia quadriplicar a sua produção agrícola desde que adoptasse algumas medidas, como melhorar a irrigação, usar fertilizantes e sementes de qualidade, incentivar a fixação das populações rurais, etc. Disse ainda que esta revolução é urgente e que não precisa de organismos geneticamente modificados para se concretizar. "

Corrente feminista na Al Qaeda

Li na Visão e gostei de saber :)
As nossas amigas militantes islamitas tb lutam pela igualdade de direitos entre os dois sexos.
Há uma senhora que vive na Bélgica, de nome Malika, viúva de um dos responsáveis pelo 11 de setembro, que aparece na internet a reivindicar os direitos das mulheres. Desobedecendo ao lider supremo Bin Laden, e criticando os seus seguidores "sexistas", reivindica, para as mulheres, a participação na jihad islâmica ( guerra santa).
Penso que pode ser comparada às sufragistas ocidentais, já que não tem medo dos homens da sua religião e defende, essencialmente, os direitos das mulheres.
As muçulmanas têm direito, tal como os representantes do sexo masculino, a escolher ser mártires!

O que será que encontram, no paraíso, depois da sua morte?

sábado, 28 de junho de 2008

Linguagem, actividade simbólica.

Mais um excerto do João dos Santos:

"As instituições humanas existem, persistem e evoluem, porque o homem pode comunicar com os outros por intermédio da actividade simbólica ou linguagem, utensílio do pensamento que lhe permite CONHECER. Pensamento e linguagem são aspectos únicos da emoção, através dos quais representamos mentalmente o mundo e criamos símbolos. A emoção primitiva já produz no animal e no bebé o movimento expressivo, o gesto, a mímica e a atitude ou "movimento cristalizado", forma de procura no espaço e de expectativa ou de esboço de reflexão que precede a escolha ou acto inteligente."
"A atitude, o gesto, a pantomima manifestam-se de forma exuberante desde as danças primitivas que realizam um ensaio de pensamento e marcam o limiar da vida psíquica, a passagem da animalidade para a humanidade. A palavra continua a atitude, o gesto e a pantomima, mas o eco da emoção apenas deixa rasto no corpo frágil dos humanos".
" O traço, o desenho e toda a actividade gráfica são os primeiros factos de uma história natural do homem que se afirma e se impõe à posteridade. Não é só a emoção simples perante o objecto como no caso dos seres primitivos, mas a representação mental que intencionalmente deixa o vestígio de um gesto significando emoção, experiência vivida, conhecimento."
"Nenhuma ciência humana pode ignorar que as reacções do homem, são ou doente, culto ou ignorante, mas inteligente, não são nunca unicamente biológicas, e que uma PERSONALIDADE se exprime por toda uma sucessão de símbolos, que vão da atitude ao gesto e à palavra, e do traço à obra."

in "O desenho, linguagem infantil."1953

sexta-feira, 27 de junho de 2008

E se existisse petróleo no Zimbabwe...?

O Mugabe é muito diferente do Saddam Hussein? A diferença é não possuir "armas de destruição maciça"?...
Ou será que o ditador sanguinário não tem que temer os "polícias do mundo" pela simples razão de não possuir nada que lhes interesse?
Sou contra as guerras. Ponto final.
Mas não consigo deixar de pensar que esse indivíduo que diz que só Deus o pode tirar do lugar que ocupa há décadas , não tem o direito de exercer tal tirania , perante a passividade do mundo...

Sabe que nunca o incomodarão muito. O mundo à volta vai dizendo que não concorda e ele responde: "Quero lá saber do que vocês pensam. A 2ª volta das eleições vai fazer-se e eu serei, como sempre, o único candidato"

Aquele povo massacrado, a passar fome desde sempre, não tem direito a ter esperança de ver a sua vida mudar?

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A linguagem escrita: um salto de milhões de anos na história do homem

De João dos Santos:

O Homem tem 500 mil a 1 milhão de anos.
A actividade simbólica do Homem data dos gestos significativos que se transformaram em palavras e em objectos ( artísticos) - estes com pelo menos 40 ooo anos. A transformação dos símbolos em sinais tem 5ooo anos.
Leitura-escrita_ A evolução teria sido:
1. Comunicação directa corporal - organização do corpo próprio, esquema corporal, espaço-relação, distância e gestão desta.
2. Comunicação directa através de uma actividade simbólica - linguagem.
3. Passagem desta ao utensílio e obra de arte.
4. O sinal em vez da comunicação imediata.

A linguagem escrita: um salto de milhões de anos na história do homem

De Eugénio de Andrade...

O que não pode morrer

Diz, diz uma vez mais o que não pode morrer:
a luz, que no sul é inocente
e trepa nos pinheiros;
o trote miúdo das manhãs de junho;
o azul a pique do falcão;
as dunas, com sinais ainda
doutro verão para levar à boca.

domingo, 22 de junho de 2008

Semana de trabalho de 65 horas??!!

Quando li que o Conselho de Ministros do Emprego da União Europeia tinha aprovado uma directiva relativa à organização do tempo de trabalho, prevendo a possibilidade de a semana de trabalho poder alargar-se até às 65 horas, o que daria uma média de 13 horas de trabalho por dia, pensei: "Isto é de loucos! Perdeu-se totalmente o bom-senso?". Passei, então, a procurar vozes que se insurgissem contra isto. Encontrei, hoje, uma, no "Notícias Magazine"( do D.N.)

Diz a socióloga Teresa Medina:

" Esta directiva contraria claramente uma tendência histórica, iniciada nos finais do século XIX, em consequência da persistência e da luta dos trabalhadores e dos movimentos operários, que, já no dia 1 de Maio de 1886, nos EUA, iniciaram uma greve geral exigindo a redução da jornada de trabalho para as 8 horas diárias. A passagem das jornadas de trabalho diário de 16 ou 18 horas, sem descanso semanal ou férias, do início da Revolução Industrial, até à situação actual, da semana de 35/ 40 horas, em vigor na maioria dos países europeus, constituiu uma das maiores conquistas sociais do último século."
"A redução progressiva do tempo de trabalho, com a consequente libertação de tempo para a família, a cultura, o lazer e os descanso, teve uma importância decisiva na melhoria da qualidade de vida das pessoas, constituindo um dos factores mais importantes no aumento da esperança média de vida registado, como tem sido demonstrado por diversos estudos."
"No entanto, e apesar dos constantes avanços tecnológicos e científicos, que criam condições para uma redução efectiva do tempo de trabalho, facilitando uma maior e melhor conciliação entre o trabalho e a vida familiar, cuja importância, noutros documentos, a Comissão Europeia não deixa de salientar, aquilo a que os trabalhadores europeus têm assistido é a um contínuo agravamento das suas condições de trabalho e a uma perda crescente de direitos, há muito consagrados."
"Neste quadro, não deixa de ser chocante ver esta directiva ser apresentada pelos seus responsáveis como uma vantagem para os trabalhadores, que, agora, passariam a ter a possibilidade de "livremente", optarem por jornadas de trabalho mais prolongadas. Mas de que liberdade estamos a falar, quando todos conhecemos as crescentes taxas de desemprego ( que esta directiva tenderá a agravar), a precarização das realções laborais, a persistencia de políticas de baixos salários a que estão sujeitos muitos trabalhadores?"
"A entrar em vigor, estaríamos perante um enorme retrocesso civilizacional, que nos poderia reconduzir às condições de trabalho e exploração do sec.XIX, com consequências gravíssimas para a humanidade. Certamente os europeus não deixarão que isto aconteça."

Aqui está uma análise com a qual estou totalmente de acordo!

sábado, 21 de junho de 2008

"O aquecimento global não é o fim do mundo" ??

Confesso que fiquei baralhada. Agora que parecem estar todos de acordo ( falo dos que decidem : os G8) de que é URGENTE inverter a nossa emissão de gases poluentes, aparece um indivíduo, de nome Born Lomborg a dizer : "Com o dinheiro gasto a combater o aquecimento global, mais depressa se enfrentava a fome no mundo"

Aqui vai um excerto da entrevista publicada no Expresso:

"Estamos mal informados, pq nos tem sido vendida uma visão muito parcial e exagerada do fenómeno. Dou-lhe 2 exemplos que cito no livro: é dito que o aquecimento global irá provocar mais mortes devido ao calor, o que é verdade. O que não se diz é que também haverá muito menos mortes devido ao frio e, muito provavelmente, essa diminuição será maior que o aumento de mortes provocadas pelo calor. O outro é o aumento do nível do mar, que irá acontecer inevitavelmente. Contudo, o público fica com a ideia, muito por culpa do filme do Al Gore, que o mar vai subir 6 metros no espaço de um século. O Painel Climático ds ONU estima que essa subida será entre os 18 e 59 centímetros."

E agora o que ele acha um exemplo das más decisões:

"O pânico não ajuda nada. Leva-nos a tormar más decisões. O exemplo mais óbvio é a produção de biocombustíveis, que toda a gente sabia que era uma má ideia. O que se fez foi basicamente comprar uma enorme quantidade de comida e metê-la nos depósitos dos carros. Isso deve ter criado cerca de 100 milhões de pessoas com fome, obrigou a abater mais florestas tropicais para cultivar mais comida e custou milhares de milhões de euros"

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Perder, é difícil!

Há um conceito em psicologia que aprecio especialmente: "baixa capacidade de tolerância à frustração."
Perder é difícil para todos, mas para algumas pessoas é mais angustiante do que para outras. Temos capacidades diferentes de tolerar a frustração.


Ontem perdemos com a Alemanha, o sonho foi interrompido, a alegria foi cortada quando estava no auge, as expectativas foram frustradas...

Agora que perdemos o Scolari, apetece-me homenageá-lo. Este brasileiro racional e emotivo compreendeu bem os portugueses. Desafiou-nos a soltarmos a emoções, a mimar a selecção, a identificarmo-nos com as suas vitórias. E os portugueses seguiram-no, deixaram de ser tímidos e discretos ,de ter "vergonha de existir", de se sentirem ridículos, e passaram a ser competitivos, afirmativos!
O Scolari, com a sua inteligência emocional, uniu os portugueses!
Como dizia o Agostinho da Silva: "um brasileiro é um portugês à solta!"
Este brasileiro soltou os portugueses!
E se, em vez de futebol, fosse outra coisa qualquer?
E se houvesse um político com o carisma do Scolari, disposto a levar-nos para a frente, cativando-nos para a participação?
Há pessoas com uma inteligência especial para compreenderem os povos e culturas...


Por isso, ainda que agora os que têm menos capacidade de tolerar a frustração, o insultem e lhe atribuam as causas da derrota, como há 1 semana lhe atribuiam as grandes capacidades de liderança, eu penso que o que ele fez pelo futebol português e os adeptos fervorosos que conseguiu, de norte a sul do país e no estrangeiro, fazem dele uma figura inesquecível no panorama nacional!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

"Nascemos estrelas de ímpar brilho..." --- Agostinho da Silva

A pedido da comentadora Té, um assunto para reflexão:

De Agostinho da Silva:

"Creio que o mundo em nada nos melhora, que nascemos estrelas de um ímpar brilho, o que quer dizer, por um lado, que nada na vida vale o que somos, por outro lado que homem algum pode substituir outro homem. Penso, portanto, que a natureza é bela na medida em que reflecte a nossa beleza, que o amor que temos pelos outros é o amor que temos pelo que neles de nós se reflecte, como o ódio que lhes sintamos é o desagrado pelas nossas deficiências ,e que afinal Deus é grande na medida em que somos grandes nós mesmos: o tempo que vivemos, se for mesquinho, amesquinha o eterno."

terça-feira, 17 de junho de 2008

Oxitocina --- a química dos "laços"

As investigações não páram. Faltava descobrir a razão "química" para nos ligarmos afectivamente uns aos outros...

Da "New Scientist":

"Um dos principais trabalhos de campo sobre o papel desempenhado pela oxitocina foi feito pela cientista C.Sue Carter da Universidade de Maryland. Estudou 2 espécies de roedores, os arganazes de pradaria e os arganazes da montanha. Os arganazes de pradaria formam casais de longa duração para criar os seus filhos, enqto os arganazes da montanha machos acasalam de maneira promíscua e não estão nada interessados no seu papel de pais.
Carter descobriu que a chave para esta diferença de comportamentos era a oxitocina. As fêmeas arganazes da pradaria têm vários receptores de oxitocina nos centros de prazer do cérebro, enquanto os machos têm tb vários receptores mas que são, tanto para a oxitocina, como para uma hormona aparentada, a vasopressina. Os arganazes de montanha, no entanto, têm muito menos receptores para oxitocina e para vasopressina. Quando estes receptores são bloqueados nos arganazes da pradaria, os roedores não formam os habituais casais de longa duração.
A oxitocina tb joga um papel fundamental na criação de laços entre mães e filhos, assim como no comportamento em sociedade. Se bloquearmos a oxitocina em mães ratazanas ou ratos, por exemplo, elas deixam de alimentar as suas crias e perdem a capacidade para reconhecer outros membros da sua espécie com que contactam habitualmente.
"Sem oxitocina, os animias têm amnésia social", diz o investigador Larry Young, da Univeridade Emory de Atalanta.

Poderá vir a tornar-se uma "droga" de sociedade?
Panksepp acha que não.
"Por que é que uma substância que parece ser tão gratificante tem tão poucos efeitos subjectivos? Pode acontecer que, em etapas mto precoces da vida, a oxitocina faça a ligação entre contacto social e prazer, mas que o prazer venha da região cerebral das recompensas e não propriamente da oxitocina. Há tb investigadores que defendem que o problema não está no facto de a oxitocina não dar prazer, mas que os actuais métodos de administração da substância não chegam ao cérebro nas doses certas e no tempo próprio."


Ainda não é desta :)

domingo, 15 de junho de 2008

"Morte de Portugal" ??

Miguel Real, filósofo, escritor, especialista em Cultura Portuguesa escreveu um ensaio "Morte de Portugal"...

Aqui ficam algumas das suas ideias sobre o assunto:


"...deixaremos de ser Portugal. O nosso território não vai desaparecer, mas Portugal que deu origem aos portugueses apaixonados, saudosos, líricos, aventureiros, e no entanto simples, humildes, está a desaparecer e vai dar origem a uma região da Europa, chamada Portugal, com museus regionias e casas de fado, mas como povo singular vamos desaparecer. E isto é inevitável e não vale a pena chorar. Ao desaparecer esse outro povo que fomos, desaparece também esse outro ciclo de saudade e de sucesso, de aventura e de fracasso, de amor e de ódio. A Europa é um caldeirão cultural, onde se diluem todas as culturas, fazendo emergir uma cultura racionalista, informatizada, técnica. A nova geração de bancários, por exemplo, já não sofre com esses ciclos. Nós já não sofremos de analfabetismo, como o antigo Portugal, sofremos de iliteracia, o que faz toda a diferença. Os dirigentes políticos de hoje não têm dores de alma. Saõ homens europeus puros, sem complexos, são técnicos, preparados para optimizar Portugal. O que lhes falta então? Faltam-lhes os grandes princípios do Portugal histórico, a razão para Portugal existir. Se os serviços de saúde de Espanha são melhores do que os Portugueses, então vamos a Espanha."

Por que será que sinto resistência a acreditar nisto? :)

sábado, 14 de junho de 2008

Damásio e Espinosa

Retirado de um blog "Meditação na pastelaria", excertos de uma entrevista a Damásio, em 2003, aquando da publicação do livro " Ao encontro de Espinosa":

Quer isso dizer que se opõe à sacralização da ciência?
A ciência é uma das vias para o saber mas não é a única. É evidente que certos aspectos da natureza requerem uma abordagem científica, e é evidente que a tecnologia que deriva da ciência tem um papel decisivo a desempenhar nas soluções para o sofrimento humano. Mas a integração dos dados científicos numa visão abrangente da natureza requer uma empresa supracientífica. Há mais de um pedestal dentro da cultura



.O lançamento de um livro como Espinosa, de Steven Nadler, poderá ser (mais) um sinal de que assistimos à redescoberta do filósofo proscrito educado na língua portuguesa?
Espinosa começa hoje a ser redescoberto. Não há grande dúvida de que a figura central e insuficientemente reconhecida do «Radical Enlightenment» é Espinosa, e que as suas ideias sobre o tecido social tiveram uma influência subterrânea no desenvolvimento da modernidade europeia e norte-americana. A mim, porém, aquilo que mais me interessa, naturalmente, é a sua radicalidade no que respeita à concepção da mente humana. É tão radical que antecipa diversas ideias que hoje fazem parte da biologia e da neurociência de ponta. É por isso que digo neste livro que Espinosa foi um protobiologista. É de notar também que esta modernidade biológica implica uma modernidade ética que era revolucionária no século XVII e que continua ainda a sê-lo. Talvez o maior valor de Espinosa resida precisamente nesse facto.
O tema das emoções tem sido uma constante do seu trabalho. Em O Erro de Descartes relacionava-as com a razão, em O Sentimento de Si com a consciência. Neste terceiro, ocupa-se das «emoções sociais». Quais foram, resumidamente, as investigações que lhe permitiram ir alargando o campo de acção das emoções?
Há diversas linhas de investigação que apoiam esse percurso. As primeiras dizem respeito a doentes com lesões pré-frontais. As segundas a doentes muito jovens com lesões semelhantes. As primeiras demonstram a ruptura dos mecanismos de decisão que se segue ao comprometimento de certas emoções; as segundas mostram como tais comprometimentos bloqueiam a socialização de uma forma quase completa. Uma outra linha de investigações, em indivíduos normais, usando a neuroimagem funcional, também nos deu a possibilidade de delinear pormenores do processo de sentir as emoções. Todo este trabalho tem permitido confirmar hipóteses formuladas há mais de uma dezena de anos. E daí podermos afirmar que na base de todas as faculdades ― decisão, consciência, comportamentos éticos ― estão o corpo, a emoção como emblema de regulação biológica, e o sentir das emoções.«Os sentimentos orientam os esforços conscientes e deliberados da autoconservação e ajudam-nos a fazer escolhas que dizem respeito à maneira como a autopreservação se deve realizar», escreve.
Estaria de acordo em contestar a famosa máxima cartesiana «Penso, logo existo» através da fórmula «Sinto, logo existo»?
Absolutamente. «Sinto, logo existo» é uma proposição verdadeira e é a formulação preferível. Sem o sentir não é possível pensar ou conhecer o que se pensa. Sem sentir não há «si». E na ausência da maquinaria da emoção e do sentir duvido que o comportamento moral jamais tivesse emergido.Ao dualismo alma/corpo cartesiano, que reduz o corpo a uma máquina e o espírito a uma substância pensante, Espinosa contrapõe uma concepção monista em que corpo e mente não são duas substâncias distintas mas manifestações diferentes da mesma substância: a Natureza ou Deus (que deixa de ser transcendente). A concepção dualista de Descartes seria responsável (escreveu-o em O Erro de Descartes), por exemplo, pela «incapacidade de a medicina tradicional considerar o ser humano como um todo». )

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Boas iniciativas

Em tempo de crise, resta-nos o futebol.
Mas...será que não existem, por este país fora, algumas pessoas que desenvolvem projectos interessantes para o país e que não são "dignos" de ser notícia?

Crio este espaço para que divulguem projectos que conheçam e que, embora pequenos, possam ser representativos de alguma mudança, criatividade ou altruísmo. Precisamos de acreditar que há portugueses esquecidos que ainda não desistiram de realizar sonhos.

Estava a tentar lembrar-me de algum e, de repente pensei: "Mas tu estás num projecto este ano, porque não falas dele?"
Algum pudor...porque me envolve...e, no entanto, vou resumir:
Está a acabar mais um ano lectivo e, desta vez, vou despedir-me tb de um grupo de 11 alunos para os quais fizemos um projecto especial. Eram meninos de 13/14/ 15 anos que frequentavam, no ano passdo, o 5º ano de escolaridade. Jovens para quem a escola não encontrava resposta. Todos com problemas emocionais e comportamentais, todos absentistas, todos desorganizados ( como as famílias de onde provêm) e alguns com grandes dificuldades de aprendizagem. Um grupo de professores aceitou o desafio: uma turma pequena, curriculo adaptado, horário diferente ( menos pesado) e a introdução de 2 disciplinas diferentes: Projectos em madeira e capoeira. As restantes disciplinas eram as mesmas das outras turmas.
Não posso dizer que tenha sido fácil. No início do ano eram "cavalinhos selvagens", mas não desistimos deles. Foi preciso muita paciência, muito afecto ( estes miudos só aprendem quando gostam da professora) e muito trabalho de adaptação dos programas.
Agora estamos em fase de balanço e despedidas. Já se foram matricular em cursos profissionais ( que só podiam frequentar com o 6º ano completo) e arrisco-me a dizer que estão diferentes. Ganharam uma perspectiva de futuro. Talvez seja possivel, com alguns deles, quebrar o ciclo vicioso da família onde vivem. Talvez possam ser capazes de lutar contra todas as adversidades e vir a ter um futuro melhor do que os pais tiveram...
As despedidas são difíceis e, no caso destes alunos, ainda são mais. Ligam-se muito a nós e nós a eles. Há dias diziam-me numa aula: "Nunca vamos esquecer este ano, para o resto da nossa vida!"
E a professora fica com os olhos húmidos... :)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

As pequenas hortas de que falava o Ribeiro Teles

Noa anos 80, o arquitecto Ribeiro Teles dizia que se devia incentivar a instalação de pequenas hortas particulares nos baldios e terrenos não construídos na área metropolitana de Lisboa.

Hoje, e perante a crise do combustível e possível escassez de determinados alimentos, esta ideia parece ganhar novo alento.
A este respeito, escreve o biólogo Tomás de Montemor:

"Não só se produziria um corredor verde que evitaria o divórcio da cidade com a sua fauna e flora, como teria um efeito protector contra as enxurradas e cheias como aquelas que paralisaram Lisboa em Fevereiro último. É notório que muitos lisboetas gostam de fazer a sua hortinha em qualquer canto com dois palmos de terra fértil. Até nas bordas das vias-rápidas ou encostas das auto-estradas se vêem batatas, favas e couves com um ar frondoso e apetitoso. Geralmente, um senhor de idade entretém-se com a enxada a mondar os futuros itens de uma sopa e cozido delicioso."
"Agora que os alimentos ameaçam escassear, o hábito das hortas será de certeza aumentado e imitado por muita gente. Este facto poderá acrescentar uma beleza rural a muitas zonas degradadas da capital enquanto ajuda a economia das famílias mais carenciadas. Aliás, até acho que se poderá estudar a possibilidade de o Ministério da Agricultura subsidiar estas microscópicas explorações estimulando a sua expansão. Seria interessante uma grande cidade auto-suficiente em termos alimentares."

"Só resta uma preocupação: quando tudo estiver a correr pelo melhor, com feijoeiros a trepar pelas canas do milharal e laranjeiras a emprestar sombra aos pimentos, a ASAE irá aparecer para fiscalizar, vedar e multar aqueles que ousaram corromper a arrumação e assepsia da lei."

:)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Yes, we can!

O fenómeno Obama num país como os E.U.A. não deixa ninguém indiferente. Ainda que não se possa, para já ,gritar por vitória, a possibilidade de um afro-americano com um discurso diferente ( não só economicista) poder vir a ser presidente, representa um enorme "salto em frente" na nossa história, que, seguramente, influenciará outros países do ocidente!

A esperança na mudança está na frase: "yes, we can!"

Seremos tão dependentes do mercado internacional que não há saída para estas sociedade que criámos em que uns esbanjam o que a outros falta?
Obama representa a possibilidade de acreditarmos que há outras saídas...

As crises do capitalismo trazem consequências graves para os mais desafortunados. Quando o desconforto é muito grande e a qualidade de vida passa a não ser mais do que mera sobrevivência ou qdo se atinge o tal "limiar de pobreza", as pessoas revoltam-se, saem para a rua, com mais ou menos agressividade. Ainda que lhes seja dito que têm que ter paciência, pq o futuro será melhor (!), cada um de nós só tem esta vida para viver e não está disposto a abdicar dela por um "futuro" incerto.
Ao longo da história foram estes movimentos de contestação que fizeram mudar o rumo das políticas!

Se surgisse em Portugal um Obama, os portugueses render-se-iam e lutariam, lado a lado com ele, para construir um Portugal melhor, mais justo!

domingo, 8 de junho de 2008

Portugal é uma ideia a difundir pelo mundo --- Agostinho da Silva

Soube, recentemente, da existência da revista "Nova Águia"- Revista de cultura para o sec.XXI -- dirigida por Paulo Borges, Celeste Natário e Renato Epifânio.

Passo a transcrever algumas partes do seu Manifesto:

"Portugal atravessa no presente uma profunda Crise a todos os níveis, com tudo o que a palavra implica de risco e oportunidade simultâneos. Agudiza-se, hoje de novo, como escreveu Raul Proença, uma "atmosfera" composta de "um sentimento de mal-estar" e de "um desejo de alguma coisa" indefinida "que nos incite, nos impulsione, nos una e nos salve".

"O enfeudamento do estado português aos grandes poderes políticos, economico-financeiros e culturais mundiais dissolve-nos efectivamente noutras áreas de influência e soberania, preservando-nos apenas uma independência formal, para logro dos ingénuos."

"Há que refundar Portugal: "baralhar e dar de novo", como dizia Agostinho da Silva."

"Portugal enquanto pátria transcende a nação e contribui para o movimento da consciência humana para a universalidade."
"A comunidade lusófona é o fruto mais imediato e concreto, em termos historico-culturais, deste impulso português para a universalidade."


E, citando alguns que compreenderam bem a nossa história e a nossa "alma":

Fernando Pessoa: "O nosso futuro não pode ser menos do que ser tudo, de todas as maneiras..."
Agostinho da Silva: "Portugal passa a ser, não propriamente um determinado país,... mas sim uma ideia a difundir pelo mundo."

sábado, 7 de junho de 2008

Começa hoje o Euro 2008!

De hoje em diante, e enqto decorrerem os desafios, façamos tréguas das análises sociológicas sobre o fenómeno :)
Deixemos o coração contagiar-se por estas emoções colectivas que são tão raras no nosso quotidiano...
Hoje, este rectangulozinho a que pertencemos estará ao rubro. Se fosse possivel medir a "energia colectiva" que no país se vai viver, deveria dar para accionar um foguetão :)

Ficar de fora, de "coração fechado" seria um desperdício...

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A pílula contraceptiva

Já aqui se falou das grandes mudanças sociais provocadas pelos movimentos dos anos 60, em particular o Maio68 em França. Tão relevante para a evolução das relações humanas foi tb a descoberta da pílula, nessa mesma década.
É difícil imaginar como se vivia antes de existir a pílula ( e todos os contraceptivos que se lhe seguiram), mas podemos, seguramente, afirmar que, desde que foi comercializada, as mulheres passaram a poder viver a sua sexualidade de uma forma mais livre, os casais puderam fazer o seu planeamento familiar, escolhendo quando e quantos filhos queriam trazer ao mundo, e, acima de tudo, a maioria das crianças que nascem ( em sociedades esclarecidas) são desejadas e bem-vindas.
Uma outra consequência importante foi a possibilidade dada às muilheres de poderem entrar no mundo do trabalho com outra disponibilidade, sem estarem "presas" a sucessivas maternidades.
Hoje em dia, cada mulher ou cada casal podem fazer a gestão da sua vida, optando por ter ou não ter filhos, por adiar a sua vinda e ainda pelo número de descendentes que querem ter.

Se há liberdade, esta é uma das mais importantes!

Dicotomias...

Em homenagem a uma amiga que não escreve em blogs :)

De Mário de Sá - Carneiro:

Um pouco mais de sol - eu era brasa
Um pouco mais de azul - eu era além
Para atingir, faltou-me um golpe de asa
Se ao menos eu permanecesse aquém...

terça-feira, 3 de junho de 2008

Aprender a viver sem o petróleo

Um amigo, que esteve recentemente em Paris, disse-me que nas 1ªs páginas dos jornais se lia :"apprendre a vivre sans le petrol".

Lembrei-me de uma imagem que vi há poucos dias no telejornal: numa das nossas terras, uma família lavrava a terra com um arado puxado por bois, como se fazia antes de existir combustível.

Pensei: no futuro, talvez voltemos para os campos. Talvez vivamos em casas com paineis solares, e vivamos do cultivo da terra ,usemos energias renováveis, e viajemos em autocarros movidos a hidrogénio. Em casa, estaremos ligados ao mundo através da informática, e fora de casa construiremos comunidades menos stressadas e menos poluidas...

Esta sociedade que construimos depois da revolução industrial , tão desigual, tão desumana, tão poluida e tão consumista é apenas uma fase da história da humanidade.
A tecnologia permitiu-nos alcançar conhecimentos inimagináveis há 100 anos atrás, mas a ganância tornou-nos competitivos, insensiveis e irracionais...
As crises têm isso de bom: abrem portas à criatividade!

E o mundo, esse não pára...nem nós chegámos ao fim da linha...

domingo, 1 de junho de 2008

Orgulho nacional

Desconheço se foi feito algum estudo sociológico sobre o bem-estar dos portugueses durante o Euro 2004...
Se eu fosse socióloga faria investigação nessa área. Perguntaria a cada português entrevistado: "Quando foi que, nos últimos anos, sentiu orgulho em ser Português?"

Acabei de ver a camioneta dos jogadores a passar por Genebra. Aqueles emigrantes todos, as bandeiras, os gritos: "Portugal!Portugal!" não me são indiferentes...

Os povos, é sabido, têm necessidade de reconhecimento pelos outros. É uma questão de auto-estima nacional, que pressupõe um sentimento de unidade e de orgulho.
Quando recomeçarem os jogos do Euro deste ano, sempre que Portugal jogar, a "crise económica" ficará para 2º plano....as greves, as convulsões farão tréguas....em nome do tal "orgulho nacional".

Será que isto acontece com os outros povos? Todos gostam da sua selecção, mas uma emotividade destas parece-me característica do nosso povo... ( os brasileiros, que são filhos de portugueses, tb assim reagem)

É em épocas destas que tento compreender melhor a "alma portuguesa"...