Pego no título do livro do Gonçalo Amaral sobre o "caso Maddie", para escrever sobre a notícia : "Os chumbos diminuiram significativamente, no ano lectivo passado"
Alguém acredita que, num só ano, se tenham invertido as catastróficas estatísticas de insucesso a que nos habituámos? Convinha justificar com outros dados além dos nºs. O que foi feito de tão diferente no ano lectivo de 2007/2008? Mudaram radicalmente as politicas educativas? Os alunos, miraculosamente, tornaram-se mais motivados e responsáveis? Os professores empenharam-se como nunca tinham feito até agora?
Não é preciso ser muito perspicaz para compreender que, numa área como a educação ( e provavelmente em todas as outras), grandes mudanças dão-se com políticas de fundo que levam alguns anos a revelar resultados.
Então o que aconteceu nas escolas portuguesas?
Só posso falar do que conheço. Sou professora numa escola básica de 2º e 3º ciclos. Na minha escola, no ano passado "conseguimos" reduzir em mais de 50% os níveis de insucesso dos nossos alunos!!
Olhemos para a realidade: a minha escola está situada, como dezenas de outras por esse país, numa área onde há muitas crianças e jovens: numa das periferias da cidade, onde vivem, em habitações cedidas pelo estado, centenas de jovens cujas famílias e bairros são muitíssimo problemáticos. O que nos ultimos meses se viu na televisão ( lutas de gangues) passava-se num bairro semelhante àquele em que trabalho. Os alunos faltam muito às aulas? Sim! Os pais responsabilizam-se por eles? Na maioria, não!
Quem são os professores desta escola? A maioria é efectiva do quadro há alguns anos. Experiência não nos falta. O que prende a maioria das pessoas que não concorrem para outras escolas? O desafio, a ligação com os miudos ( estas crianças são muito afectivas e , quando gostam de um professor, nunca mais o esquecem...), o ambiente entre colegas.
Que outros recursos tem a escola? Uma assistente social, que se desdobra em milhentas visitas domiciliárias aos alunos que desaparecem, uma professora de ensino especial e um professor de portugês-2ª-língua, que dá apoio a alunos dos palops ou do leste. Psicologa não há! Existia uma que se reformou e não foi substituida... ( há 2 anos)...
O que foi feito, no ano passado, para que tantos alunos tivessem transitado de ano? A única medida implementada, por orientação do ministério, foi um reforço da carga horária da disciplina de matemática. Foi útil? As colegas fazem balanço positivo, mas acham que não chega para minimizar as grandes dificuldades com que chegam os alunos do 1º ciclo.
A "ordem" foi: não reprovar!.
A ministra disse que as reprovações deviam ser um último recurso, pq se constata que um aluno que repete o ano, em geral não melhora. Concordo com esta afirmação. Mas: que alternativas tem uma escola para estes alunos? Se a solução estivesse em passá-los de ano, eles teriam melhores resultados no ano seguinte. A realidade prova o contrário. Em geral, voltam a reprovar. Relativamente a algumas disciplinas em que as aprendizagens são em espiral ( como a matemática ou o inglês) é impossível aprender o programa de um ano lectivo sem ter adquirido os conhecimentos do ano anterior.
Então, qual seria a alternativa? É aqui que está o problema de fundo. A escola, ao pretender ser igual para todos, pratica uma enorme discriminação. Para alguns, é extremamente fácil e é frquente ver pautas, em algumas escolas, em que a maioria dos alunos atingem o nível máximo ( nível 5); para outros é extremamente difícil, pela falta de aquisições básicas, pela extensão do horário, pela sobrevalorização de disciplinas teóricas e a quase inexistente componente prática.
Miúdos de 14 anos no 5º ano ( como tenho vários) misturados com miudos de 10, dias inteiros na escola a fingir que se interessam, não dá!
No ano lectivo passado, nas reuniões finais de avaliação, em todas as turmas da escola, não houve mais do que 1 ou 2, no máximo 3 reprovações. Riamo-nos todos ( para não nos lamentarmos mais). Diziamos: "Ainda vamos para o ranking das melhores escolas! :)
Passaram miudos com 3, 4 negativas. Quando era preciso, alguém "dava" nota para o aluno passar. Se tinham faltado no 3º periodo, ficavam com as notas do 2º. Se , mesmo assim, não tinham notas para passar, inventávamo-las!
Além de termos que fazer planos de recuperação para cada aluno que tem uma negativa e provar que se fez tudo ( inclusive ir a casa buscá-lo)..., os professores passaram a ser avaliados pelo sucesso dos seus alunos. Desgraçados dos que apanham com vários ciganos numa turma que, em geral, abandonam a escola antes do final ( em especial as raparigas). Quem se atreve a reprovar meninos, se, na turma ao lado, vão todos passar de ano?
Angustia-me pensar no futuro destes miúdos. Até podem concluir a escolaridade básica ( mesmo assim, alguns desistem a meio)...mas o que será desta geração daqui a 10 anos? Estão preparados para quê? Para a lei do menor esforço....e pouco mais!
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