quinta-feira, 3 de abril de 2008

O poeta é um fingidor- Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente

Esta definição é sublime! Poderia aplicar-se a qualquer criação artística ou, simplesmente, a qualquer tentativa de se exprimir o que se sente...

Afinal o poeta sente ou finge? A dor que exprime é diferente da dor que sente?
Criar é fingir? Só cria quem sente? Como se transforma a dor sentida na dor expressa?
O que é a arte? É a mentira dos sofredores?

30 comentários:

Tão só, um Pai disse...

Na poesia não se mente, quando a dor se sente. É um grito de silêncio, finge-se que se finge, atenuar o horror, o da dor, que nos vai no pensamento.

Tão só, um Pai disse...

Entendo a arte e a criação como, antes de mais, um acto de libertação. Depois, como comunicação. Mas não o será assim para todos. Se calhar, nem o será para mim, num futuro mais ou menos próximo. Ninguém é imutável.

Tão só, um Pai disse...

:) e ... claro que não, a arte não o é só de sofrimentos, tem todas as emoções que a a alma possa alcançar, há a alegria, o amor ... :) neste último caso, se for fingimento, temos uma "canção do bandido" ... que também é uma arte :)

JR disse...

Miguel Ângelo dizia que para se criar algo, é preciso trazer o inferno no coração.
Pergunto: Como, olhando, por exemplo, para um quadro, poderemos dizer que há ali uma obra de arte? Uma criação?
Entre o que o “criador” cria e o que o espectador vê, há a distância do emissor e do receptor da mensagem. Será o código que nos permite decifrar a mensagem o mesmo? E o ruído que se mete de permeio? Como decifrar a intenção “criadora”?
Há talvez uns dois anos, alguém decidiu expor um quadro numa das galerias de Madrid ou Barcelona. O quadro foi um êxito. Houve os mais díspares comentários sobre a brilhante criação de um novo criador.
Acontece que o criador foi um grupo de alunos de uma pré-primária que se entreteve a espalhar tinta numa tela.
Também há uns anos conheci um pintor razoável, mas com dificuldade em vender os seus quadros. Um dia, no jardim da casa, estava a queimar umas madeiras e reparou na forma interessante de um tronco queimado. Resolveu pegar nele e expô-lo como uma “escultura”. Foi um êxito que lhe permitiu até fazer umas exposições em Espanha.
Talvez haja os que fingem a dor. Mas há com certeza aqueles a quem a dor acompanha permanentemente.

Tão só, um Pai disse...

JR, a criação existe por todos o lado, não tem idade ou profissão:) ... às vezes, até engana o preconceito :)

Maggie86 disse...

o poeta/artista não é fingidor, porém, quando exprime aquilo que sente, nem sempre consegue ser compreendido pelos outros e penso q será nesse sentido q fernando pessoa escreveu esse belo poema*

reb disse...

Li todos os comentários e fiquei a pensar nisto:
um grande artista, daqueles intemporais cuja obra prevalece séculos depois da sua morte, deve realmente ter inferno no coração. Concordo que haja outras emoções/ sentimentos que inspiram a criação, mas não há dúvida que a dor sempre foi o maior estímulo. A dor e a necessidade de a exprimir ( ou será de ser reconhecido e compreendido?).
Mas, como diz a maggie, pq será que o fernando pessoa nos diz que um poeta finge a dor que realmente sente? A minha interpretação vai na linha do raciocínio dela: ao transformar a dor num poema ( ou outra forma de arte) está a criar-se uma "outra" mensagem de dor que já será uma meta-dor, pq entre o que se sentiu e o que se criou e ainda entre o que se criou e o que foi compreendido por outros, há vários canais ( que, ao modificarem, "fingem" ou camuflam a dor original...

JR disse...

Penso que o poema de Fernando Pessoa é mais simples. Finge a dor por timidez (vergonha) em dizer que realmente lhe doi.

reb disse...

Não concordo: ele exprime de tal forma a dor que a sentimos no peito. Finge mas exprime tb...

JR disse...

Porque finge mal...

reb disse...

Finge tão bem que julgamos que, a dor que sentimos ao lê-lo, é igual à dor que o poeta sentiu ao escrever...

JR disse...

Não... Finge mal. Por isso é que sabemos que a dor é verdadeira.

reb disse...

Nesse caso, o poema chamar-se-ia: O poeta é um mau fingidor :)

reb disse...

....finge tão completamente...

idadedapedra disse...

bolas, andei afastada 2 dias e quando aqui volto há tanta coisa para ler... para ler devagarinho e pensar para poder responder.
Ando na minha própria polémica com o meu forum e passei já muito desta manhã de sábado em frente ao écran.
Não perdem pela demora... cá voltarei com muito gosto

idadedapedra disse...

antes de ler os comentários digo eu:
Não sei já em que blog ou conversa ouvi esta frase: a dor inerente à vida; o sofrimento é opcional.
Isto é muito verdade; a intensidade do nosso sofrimento depende de nós, é uma opção nossa.
Os poetas fazem isso, aumentam a dor... dá-lhes jeito porque produzem mais :) Embora também produzam mais em estados de euforia bem disposta
Um exemplo cá da minha área: na adolescência os picos hormonais dão direito a alterações de humor sem intervenção da vontade dessa pessoa. Porque a hormona lhes dá para querer chorar, eles nesse dia vão ter que se lembrar de todas as coisas más da vida para conseguirem chorar com razão. E pronto, funciona, choram e aliviam as hormonas

idadedapedra disse...

"Entre o que o “criador” cria e o que o espectador vê, há a distância do emissor e do receptor da mensagem." - ora aqui está uma coisa interessante; para mim, com esta minha mente científica é-me por vezes muito difícil entender e até gostar da arte. Confesso-me praticamente incapaz de ler poesia; no entanto devoro todo o outro tipo de literatura. Não é que o meu espírito científico e sentido prático me impeçam de ser sentimental. Não impedem mesmo nada. Mas impedem-me de entender e de gostar de algumas formas de arte exactamente porque do sentimento do mensajeiro ao criá-la
até ao meu ao recebê-la vai tanto por permeio que me é difícil entender.
Curioso, que é a poesia que eu menos consigo ler. Pintura por exemplo, mesmo não a sabendo interpretar há quadros que gosto muito de ver e outros não

idadedapedra disse...

"Será o código que nos permite decifrar a mensagem o mesmo? E o ruído que se mete de permeio? Como decifrar a intenção “criadora”?" - o ruído de permeio é muito bem dito.
Vou dar um exemplo da minha área:):
os recém-nascidos parecem ter um 6º sentido, certo? Recém-nascido ao colo duma pessoa ansiosa, chora mesmo que a pessoa esteja a tentar disfarçar a ansiedade.
Que se saiba eles não têm nenhum sentido a mais do que nós. O que não têm é o ruído de permeio que nos impede de valorizar os sentidos. São hiper-estésicos. Cheiram, ouvem, vêem, palpam, saboreiam e todos esses sinais são enviados ao cérebro sem haver o ruído de fundo do pensamento que os adultos têm.

idadedapedra disse...

"O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente"
Eh pá, eu não interpreto este poema como vocês. Acho mesmo que é um assumir que o sofrimento é uma coisa tão relativa, que podemos fazer dele o que bem entendermos. Ele sente dor, interpreta-a como quer e mostra-a como quer; pode enaltecer a dor se lhe der jeito porque o poema fica muito mais bonito e transforma aquela dor numa coisa bela.
Mas eu não sei ler poesia

reb disse...

Mas foi mais ou menos isso que eu quis dizer: vejamos, o conceito de mentir, neste poema, talvez possa ser visto como essa interpretação da dor que ele quer dar, ao criar uma obra de arte. A dor de facto existe, mas a que transparece no poema é a que ele criou. Entre uma dor e a outra há o objecto de arte, que de facto "finge" pq transforma.
A "dor pura", a insuportável dor ,não é possivel de ser comunicada a outros, através de arte ou outra qq forma de expressão.

nelio disse...

para mim é muito simples: a arte resulta de uma intelectualização, de opções estéticas que são (ou têm o seu quê de) racionais. a dor expressa na arte é transformada pelo acto de conceptualização, deixando de ser a dor em bruto que se sente. é este apaziguamento da dor através da transformação que se pode chamar de fingimento. mesmo que a inspiração primária surja da dor em bruto, para ser objecto artístico tem que obrugatoriamene passar por essa transformação/conceptualização.

reb disse...

Nélio, é exactamente assim que eu interpreto esta quadra e foi isso que tentei dizer no meu comentário anterior.
Ao criarmos, conceptualizamos e, ao conceptualizarmos, "fingimos". A própria linguagem humana é uma conceptualização e por isso as palavras que usamos servem para fingir o que sentimos...
Fingir sem qq carga prejorativa...

JR disse...

Mas Nélio e Reb, isso supõe que toda a obra de arte implique uma conceptualização estética.
Se ela for apenas a expressão de uma necessidade interior, um grito da "alma", anterior a qualquer conceptualização, já não será arte?As pinturas rupestres serão arte? As Vénus grávidas serão arte? Haverá uma conceptualização?
O modo como se classifica a arte não terá a ver com o modo como o espectador interpreta? Como sente o que vê ou lê? Ou apenas com a intencionalidade do autor?
Gosto de ler poesia. Alguma poesia. A que me provoca sensações. E enquanto a leio, nunca me é importante a intenção do autor, mas apenas o que consigo sentir enquanto leio.
Pode o autor escrever com a intenção de me provocar sensações, mas pode escrever para expressar (se libertar das) as suas.
Não é para mim importante que seja uma boa ou má obre de arte. Apenas me importa que me provoque sensações. Que seja capaz de as provocar.

reb disse...

Sim, penso que as pinturas rupestres eram resultado de uma conceptualização ( estética ou não).
Nenhum animal cria a partir de uma representação mental de algo vivido. A representação mental da coisa é a sua conceptualização. Há "distãncia" na criação. É diferente de um grito instintivo que se dá na hora do acontecimento doloroso.

nelio disse...

jr:
penso que sem conceptualização não há arte. a questão da intencionalidade do autor, já é diferente. uma obra, depois de produzida, deixa de pertencer ao autor. cada um é livre de ler nela o que entender e cada interpretação pessoal é tão válida como a original do autor.

Tão só, um Pai disse...

Qual a semelhança entre Prokofiev e os Linkin Park? Talvez nenhuma, excepto o facto de eu gostar de ouvir os dois, o que, de per si, não os relaciona aos ouvidos dos outros :)
Um dia, vi uma fotografia duma escultura de picasso. Nunca fui à bola com o cubisomo, desdenhei, olhei a legenda, estava escrito "guitarra", olhei para a escultura, sorri, era assim que eu, também, sentia a guitarra.
Conclusão? Pois, talvez nenhuma, ou talvez uma, a sensibilidade, mais ou menos "sofisticada", que nos despertam as formas de arte.

JR disse...

Desculpem voltar a este tema, mas é só para finalizar e não tive tempo no fim de semana.
Sendo o pensamento humano conceptual (pensamos por conceitos) e sendo os actos (especificamente) humanos mediados pelo pensamento, tudo o que resulta destes actos, não deixa de ser conceptualizado.
Mas, quando eu falei de algo anterior a qualquer conceptualização (não fui claro) queria referir-me a não haver uma intencionalidade especificamente artística.
De resto, as pinturas rupestres e as vénus grávidas não teriam essa função artística.
Quando um(a) adolescente expressa num papel (num diário), em poema ou prosa um sentimento interior que o/a atormenta, não está necessariamente a conceptualizar esse poema ou prosa, o que não significa que essa conceptualização, pela sua formação, não esteja presente. Mas a intenção primeira não é a de “criar” algo de belo, mas sim expressar em palavras (conceitos) o que lhe vai na alma. Dessa expressão pode resultar uma obra de arte, ou não.
E como vamos distinguir se é ou não obra de arte? Essa é que me parece ser a grande questão.
De resto, bastará ver Umberto Eco, por exemplo “A definição de arte” (não tenho a certeza do título), para constatar da dificuldade dessas classificações.
Mas parece-me que todos poderemos concordar que para ser arte, é necessário que acrescente algo à nossa realidade, que seja efectivamente criação (ainda que nem toda a criação seja arte).

reb disse...

Quando andava na universidade aprendi ( em teorias da literatura) que um "artista" é alguém que é simultaneamente "eminentemente individuaul e eminentemente social". Seria então alguém que, de uma forma única( pessoal) tocava na sensibilidade dos outros ( social). É o que nos acontece a nós (enqto receptores) qdo lemos um livro e aquilo faz eco dentro de nós. Chegamos a pensar: é exactamente isto que eu sinto, mas não era capaz de o dizer desta forma.

viviportugal11 disse...

talvez ele diz sentir a dor q não senti, mas q senti e não o sabe.

Kailane & Dos Anjos disse...

a arte é uma imitação da verdade(como Aristóteles disse), nao é de verdade é tipo uma reprodução do real, é fingimento!! acho q é isso q Fernando P. passa no poema!!